Domingo, 30 de Julho de 2006

PORTALEGRE: O ARTIGO QUE EXPLICA O BLOG!

Desde pequena que desenvolvi um forte repúdio ao Alentejo. Sentimento que se esterilizou este ano. Detestava esta calma, assumida como qualidade; abominava a indolência e ausência de stress; irritava-me a paciência e o tempo, que aqui se nota que existe; Desprezava e até fugia das características do típico alentejano; apesar de ter sido acolhida bem pequenina por este ambiente, fiz tudo para conservar as minhas raízes citadinas… Para mim era um atentado à linguagem as expressões, chavões, certos termos e as alcunhas tão comuns e naturais no centro do país. A pronúncia era motivo de vergonha e qualquer coisa desconcertante, provocava-me uma cólera incómoda, fazia tudo para manter (ou adquirir) o fraseado correcto, o lisboeta. Afinal de contas era de onde vinha e para onde queria ir!

Vivo em Portalegre e este presente ameaçado por um futuro incontornável assusta-me. Portalegre é a cidade, capital de distrito, que melhor reflecte o estereótipo da cidade atormentada por um Alentejo embalsemado no tempo. E acreditem, neste caso não é estigma. As horas de ponta não existem e qualquer movimento invulgar é razão para perplexidade; a cidade rodopia ao sabor dos horários laborais; os meses de Julho e Agosto fazem lembrar o deserto, não só pelas temperaturas insuportáveis, mas também pela desertificação populacional; ainda se vêem os velhotes sentados no Plátano (centro da cidade) admirando o movimento dos carros que contornam a rotunda; as pessoas saem do emprego Às 5:30 e chegam a casa Às 5:40, levantam-se Às 8 para entrar Às 9, e vão almoçar a casa; os pais acompanham os filhos na escola e participam nos seus hobbies; nos arredores e mesmo no centro da cidade as chaves na porta convidam a entrar; E À noite? Ah! É uma alegria, para quem está habituado ao medo dos grandes centros urbanos. Com excepção de um caso ou outro alarmante, anda-se nas ruas e bares pela noite dentro sem qualquer preocupação ou receio; vou ao supermercado e deixo a chave na mota e digo “Olá vizinha!”; Levo o lixo e contemplo a serra verdejante, viva! Em Portalegre anda-se a pé, directa ou indirectamente toda gente se conhece.

Não obstante a todos os defeitos ou qualidades que cada uma destas circunstâncias possam suscitar, a verdade é que já não falo dela com repugnância. Paradoxalmente ao que sempre imaginei, a contagem decrescente para o abandono e início da luta lá fora está a custar, e muito! As lágrimas, os sorrisos, os suspiros são as palavras que descrevem os meus tempos aqui. Portalegre agora é do coração, já não pertence À razão! Qualquer imagem que construa da mesma é feita com calor e parcialidade. Depois de tantos anos de rejeição e defesa do protótipo da rapariga que deseja o stress da grande Lisboa, dou por mim a falar da cidade com ternura. O facto é que já a defendo quando criticam e acho piada quando dizem que tenho pronúncia. Mesmo não a tendo como paradigma, guardo com muito apego tudo o que nela vivi e com ela aprendi. Ainda mais complicado se torna quando sei que não faz parte das minhas aspirações voltar definitivamente. Agora que és a minha cidade vou deixar-te, porque a força dos sonhos supera qualquer persistência de saudosismo ou nostalgia.

Foste responsável por uma infância límpida e pura, distante de todas as preocupações que não devem existir nesta etapa. Deixaste-me brincar na rua, saltar, andar de bicicleta…Sair de casa e correr o campo, apanhar malmequeres e chegar a casa cheia de ervas. Jogar futebol no polivalente e rasgar as meias. Sair Às 10 horas da natação e ter os meus pais À espera. Brincar e voar, sentir que era livre, mesmo não sabendo o que isso queria dizer; Assistis-te a uma adolescência marcada por todas as fases e permitis-te que crescesse naturalmente, nunca me impingiste responsabilidades precoces. Saí À noite a partir dos 14 anos, depois de muitas experiências com os primos mais velhos; vim da escola a pé para ir ter com a mãe ao trabalho, e muitas vezes fiquei no ciclo a conviver e a namorar. Amadureci, mas não foi por tu seres perigosa, foi porque a vida mo impôs. Fui sempre da Natureza, da rua, do exterior porque tu defendes aguerridamente esse teu carácter sereno. Sou ingénua com as pessoas e não tenho noção do perigo porque o hábito me fez assim. Os assaltos, a violência e vícios sociais fizeram parte dum Mundo longínquo de familiares, das notícias ou dos filmes. Nunca soube o que isso era, por experiência própria ou alheia. Conheço a minha família e eles sabem quem sou porque a tua aversão ao trânsito caótico e pugnação a qualquer sintoma de criminalidade me permite ir À tia buscar livros, ou ao tio pedir ovos, ou ainda À outra tia roubar um filme. Quanto À distância de familiares das zonas circundantes, não é nada que não se resolva com 20 ou 30 minutos de carro. Os meus avós não são companhia esporádica, mas hábito de fim-de-semana. Sento-me ao colo do meu avô e desabafo com a minha avó porque a proximidade o proporcionou. Discuto com eles porque são os pais suplentes, e isto porque assistiram e contribuíram para a minha formação e educação. São exemplos não só pelas qualidades, mas porque não são desconhecidos. Agora mais velha, mas ainda adolescente, fazes de mim a vivência das festas das terrinhas com o bailarico a dois e as barraquinhas dos licores. Com os amigos corro tudo e o divertimento é certamente maior do que o proporcionado por um qualquer quadrado iluminado com DJ.

É aquilo que para os outros é frívolo, vácuo, desprezível, relativo ou censurável que faz de ti bela. Igual mas diferente! Não ligues a quem te injuria ou difama, é porque não capta a tua essência. Não abras a caixa de Pandora e não te entregues aos males do Mundo. Não fujas do progresso ou desenvolvimento, mas nunca percas ou esqueças o que te identifica. Não menosprezes os que não te preteriram e mantém o que fez com que fosses escolha. Não subestimes quem te exalta. A tua fuga ao tempo é para muitos a perfeição. Acredita que, se te abandono é porque sou mais uma comum mortal que preza a realização profissional e apogeu da evolução, em detrimento do bem-estar e qualidade de vida. Não penses que ofereces estagnação, transpiras conforto. Todas as minhas relações, a minha personalidade e forma de estar são um resultado, também, da cidade onde vivi e cresci. Não era como sou, se não fosses tu. E queres saber um segredo? Gosto de quem sou! Deste-me a serra quando estava sedenta de reflexão, a floresta quando queria desporto, as piscinas quando não suportava o calor. O teu céu é azul e o verde não é surpresa. Se a transparência é para mim um valor e a proximidade aos sentimentos uma necessidade é porque a tua pequenez fez da convivência com conhecidos e desconhecidos a normalidade.

Nunca vais ser recordação porque quando deixares de ser casulo, passarás a ser refúgio. Sempre que me perder é aqui e contigo que me vou encontrar. A memória não te guarda lugar porque vais continuar a fazer parte de mim e da minha vida. Tens cá quem mais amo. Já agora, depois de tanto teres dado e porque a satisfação não faz parte das minhas qualidades, peço-te: protege a minha mãe e o meu pai, mas sobretudo os meus irmãos, que ainda estão cegos por uma ingenuidade saudável; guarda a serra e aquela vista inigualável para as minhas corridas de fim-de-semana; deixa os teus caminhos para a minha mota me levar aos amigos e tios; e recebe-me como se me visses todos os dias!

Vou levar-te comigo e dar-te a conhecer ao Mundo e À Humanidade, prometo!


publicado por portalegreeomundo às 09:37
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De Aline a 5 de Outubro de 2006 às 15:21
Sinto-me feliz por conhecer a dona destas palavras. Este post está lindo e entendo cada parágrafo, cada frase, cada palavra, cada vírgula! =) É importante num país como Portugal haver dentro da nova geração quem dê valor a cada metro quadrado desta terra, das grandes metrópoles até ao interior mais resguardado e puro. Cada terra tem a sua magia e tu conheces e retratas bem a magia de Portalegre. Quero conhecer o Alentejo, agora mais do que nunca. Continua a escrever sobre Portalegre, Portugal e o Mundo que sinto que vais no bom caminho em direcção à plena realização dos teus sonhos. =)


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