No dia 5 de Novembro inauguram-se os cinemas no Centro de Artes e Espectáculos. Não obstante à sua existência noutro espaço em Portalegre (Museu das Tapeçarias), o facto de passarem a haver no local predestinado exige uma atenção diferente. Sem qualquer menosprezo à qualidade do cinema do Museu das Tapeçarias, a verdade é que não foi construído com essa finalidade. Como o próprio nome sugere é um Museu, pretendendo por isso atingir outros objectivos. Colmatou durante muito tempo uma lacuna imperdoável, mas findou o tempo de substituto. O centro de Artes e Espectáculos foi concebido com intuito de reunir todas as Artes num espaço específico. As suas portas são o caminho para a cultura. Entrar implica mudar. Agora há cinema, no local delineado e idóneo. É precisamente a concretização desta conjuntura que suscita a reflexão sobre situações que assumimos como ordinárias, impingindo a apreensão da sua profundidade. O cinema é uma janela para o Mundo. Quer isto dizer, que qualquer cidade que renegue o crepúsculo tem que ter salas, filmes e público para o cinema.
A projecção de filmes no Centro de Artes e Espectáculos é o culminar de um projecto. Depois da ausência de propostas atraentes de privados, a Câmara investiu em algo que é necessidade recorrente à saúde intelectual e pessoal de qualquer um. Reconheço o carácter político da medida (importância da realização de promessas passadas, mantendo a boa imagem do poder local, e receio de reclamações futuras), no entanto não ignoro, igualmente, a sensibilidade da medida. Mais uma vez a Câmara de Portalegre garantiu os pressupostos para radicar a indolência, a imobilidade e a distância dos habitantes ao que os rodeia. Sustentar com verbas públicas a presença do cinema é um indício da vontade de mudar e, novamente, crescer. Perceber a imperatividade do cinema numa cidade é atingir a indispensabilidade de pensar.
Noutros tempos a rejeição à meditação era desculpada com o frio, cadeiras desconfortáveis e inexistência de qualidade na projecção dos filmes (tempo do crisfal); ultimamente, o pretexto era a carência de salas próprias para o cinema (mesmo havendo as do Museu das Tapeçarias). As críticas e acusações eram constantes. Comparávamo-nos com localidades contíguas, alegando ser irremissível que outras zonas mais pequenas tivessem e nós não… Agora não há argumentos para subterfúgios. As condições estão disponíveis e asseguradas, evitar a sala de cinema implica abdicar voluntariamente de pensar. O cinema não é um hobbie de tardes e noites desocupadas. Mas um compromisso com a capacidade individual. Quanto mais não seja de mudar algo em nós! Quando se vê, ouve, sente e se reflecte sobre o que os sentidos proporcionam, deixamos de ser quem éramos e passamos a ser outro. Só quem vê o cinema como abrigo das noites de Inverno passa incólume ao seu impacto. Cinema é inteligência, sageza, cultura e experiência. Procurar o cinema é querer evoluir. Assim é deveras gratificante constatar como Portalegre renuncia sucessivamente estagnar. O cinema é uma oportunidade, aliada a outras, de mudarmos para melhor.
Encher as salas de cinema é, desta forma, compactuar com a ambição camarária e justificar a sua aposta e investimento. Na essência da política está a acreditação no interesse cinematográfico dos portalegrenses, mas ainda a esperança destes crescerem em simultâneo com a cidade. Depende da adesão dos portalegrenses ao cinema, fundamentar o que ainda é uma conjectura – a utilidade do investimento. Os preços são acessíveis e justifica-se, (agora sim!), o gasto. As salas têm qualidade, conforto e oferecem comodidade. Tudo para nos concentrarmos, exclusivamente, no filme, em detrimento do frio e correntes de ar. Os dias e horas escolhidas parecem-me acertados, coadunam-se com a disponibilidade da generalidade dos habitantes, atendendo aos horários laborais e dias de trabalho.
Concluindo é absolutamente crucial que a consciência da preponderância do cinema se exalte e impere. É uma forma de contornar o isolamento e anonimato da cidade. Digamos que facilmente nos escusamos das responsabilidades nacionais e internacionais por nos julgarmos diminutos. Escondemo-nos, com todo o prazer, na pequenez da cidade e do país, e afastando-nos do que pertencemos -Humanidade e Mundo! Achamos não ter impacto considerável porque somos uma mera cidade do interior e assim nos abstemos de reflexões metafísicas e filosóficas. Tudo está longe da esfera que nos afecta e do que nós podemos atingir. Chegou o momento de nos consciencializarmos que isso é iludirmo-nos. É tempo de sairmos da redoma obnubilada e subjectiva onde nos conservamos – a preocupação com os nossos problemas. É nas pequenas acções que estão os grandes resultados. Mudar o Mundo é, essencialmente, reflecti-lo! O cinema é um instrumento adjuvante ao processo. Sem cinema Portalegre estava presa! Não precisamos mais de cobertores ou de um esforço físico considerável para construirmos mais um elo a outros espaços, agora basta uma grande abertura de espírito e mente para inspirar a lufada de pensamentos que o cinema sopra.
A janela está aberta, será que vamos querer respirar?
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