Sexta-feira, 24 de Novembro de 2006

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Portalegre mais próxima da desumanidade!

 

 

Portalegre perdeu a ingenuidade e saltou para a maturidade precocemente. Deixou de ser imberbe e adquiriu tudo o que o crescimento traz de nefasto.

O homicídio ocorrido há semanas roubou-nos a remota infância. Casos análogos de um passado ignóbil reiteram esta maturidade atribulada.

Terá Portalegre perdido as prerrogativas da redoma a que era associada? Passará a ser mais uma porta aberta ao Apocalipse que prolifera nas cidades emancipadas? Delinearão os conscientes, ignorarão os masoquistas!

Primeiramente é primordial alcançar a dimensão onerosa do assassínio. Somos seres que porque privilegiados com a vida, compelidos a lidar com a morte. Contudo a sua inevitabilidade não pode virar argumento para o seu menosprezo. Sobretudo quando esta foge à condição finita de um ser e depende da responsabilidade de um outro. Não subestimando a perda associada, que é uma sensação inalienável independentemente das causas, a verdade é que a morte tem de ser analisada, especialmente, quando aliada à atrocidade.

Revela, antes de mais, um incomensurável desprezo pela vida própria e alheia. Um indivíduo capaz de cometer um acto de tamanha perversidade desconhece o sentido da vida ou da existência.

Simultaneamente às consequências individuais, a vida de alguém que findou com a violência de um outro, é preciso aprender as inerências sociais.

Um homicídio em Portalegre é uma situação que muda tudo. A criminalidade, a marginalidade, prostituição e delinquência eram flagelos inexistentes nas nossas muralhas. Omissos das preocupações da cidade refundida num Alentejo plácido. Era um ruído transcendente que pertencia a um Mundo, que embora nosso, estava distante. As calamidades que dilataram com as consequências da sociedade massificada e concentrada ameaçam o espaço que foi refúgio destes opróbrios a uma vida salubre.

A pontualidade começa a ser renegada com a repetição. Não é o primeiro, nem o pior. E lembro, por exemplo, o assassinato de um jovem açoriano levado a cabo por um grupo de jovens infames.

Mais do que o susto ou o receio de afectar os meandros do círculo que nos afecta, é preponderante alcançarmos a consciência que os factos impingem. A cidade isenta e pura, expurgada dos males da grande metrópole pereceu. Cabe a todos e a cada um ressuscitá-la. Temos o hábito de delegar nas instituições soberanas as soluções que começam na nossa conduta ou alteração desta. Não depende exclusivamente da política de uma Câmara o retorno à sensação de segurança perene. É urgente que se tomem e apliquem medidas idóneas e eficazes a curto e a longo prazo. O objectivo não é prorrogar, mas radicar definitivamente a patologia que insiste em matar as cidades que aspiram desenvolvimento.

A educação é o primeiro remédio para a degeneração, subscrevendo Montesquieu. A casa, a escola e as próprias ruas são espaços propícios a que se eduquem, pelo menos, os mais novos isentos da obscuridade dos hábitos. Quando, por razões adversas, não existe uma educação familiar são os espaços públicos que tem o dever de passar a noção de Humanidade e valores inseparáveis.

Ainda abrangendo as fronteiras do civil, é deveras relevante a postura da comunidade. Mesmo consentido a imensa dificuldade, não podemos adoptar uma visão unidimensional, de completa indulgência ou reprovação. As motivações de criminoso são, por norma, sintomáticas de defeitos da sociedade em geral e, ainda, culpa sua, mesmo que parcialmente. Por outro lado, não se pode cair na conivência sem critério, o consenso deve ser da condenação, censura e crítica indubitável e veemente. Não confundindo a qualificação do acto, abjecto, com segregação ou descriminação. Pois nesse caso passaríamos a ser o que pugnamos, assassinos de uma outra vida que podia mudar com a integração.

No que diz respeito às competências que nos transcendem, medidas como o aumento da iluminação e a sua localização em zonas específicas (jardins, estradas interiores, ruas mais escondidas, etc); incremento do policiamento em zonas e horas mais peculiares; são uma amostra do que é exequível no imediato.

O paralelismo entre cidade de outrora e cidade de agora é uma adjuvante à percepção do que somos e como podemos mudar! Em tempos, a própria cidade era uma muralha. Imune ao perigo e ao medo, embevecia-nos com um Mundo que escasseia, o da segurança sem uma vigilância, controle e coacção apertada e constante. Eram estes apanágios que desmontavam as críticas exteriores ao subdesenvolvimento citadino. O sossego, a melancolia, o tédio deixavam de ser defeitos quando substitutos do crime organizado e a possibilidade de violência gratuita ao virar de cada esquina.

Não embálsemámos as qualidades de sempre. A aquisição de outras, igualmente proveitosas, imputou-nos as suas imanências verdadeiramente funestas.

Agora somos, concomitantemente, vítimas e responsáveis pela violência social. E o reflexo do protótipo que insiste em enraizar-se no país.

Não obstante ao esforço que tal implica, a resolução não está em sucumbir-mos às soluções instantâneas: comprar alarmes, reforçar as trancas, não sair à noite, evitar certos espaços… Mas antes praticar o que nos compromete e exigir a quem compete os recursos devidos ao descanso no exterior. É indispensável não ceder ao medo, isso seria diminuirmo-nos progressivamente acabando por cingir o nosso Mundo à nossa casa, e ainda assim temer o invasor.

A resposta também não será a excomungação do marginal ou dramatização infundada da conjuntura, mas antes capacitarmo-nos que hoje é o dia perfeito para começar a rota da mutação. Se somos pais, irmãos, amigos ou vizinhos temos valores a incutir. Passar princípios é instaurar e perpetuar a moralidade cívica e a probidade social, e por conseguinte fazer o feito de um acontecimento ominoso retornar ao inusitado. Será possível mais tarde, mas certamente mais fácil se já!


publicado por portalegreeomundo às 22:11
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