Segunda-feira, 7 de Maio de 2007

Será o cinema a síntese de um povo?

 

A aversão à estagnação parece ter-se ausentado da cidade no que concerne à cultura. Portalegre é a cidade que surge nos jornais como motivo de  vergonha, com um número de espectadores  irrisório nas sessões de cinema comparativamente a outras cidades. O cinema é a sétima Arte e para a contemporaneidade a primeira hipótese de exceder os limites. O cinema é a luzinha que tanto se fala quando a esperança teima em perecer,  porque é vítima de uma atenção incomensurável comprovando que a Humanidade ainda padece de uma réstia de interesse pelo Mundo que a envolve. Por tudo o que implica não é deveras agradável constatar que a nossa cidade relegou mais uma vez os lugares cimeiros e não lhe bastando a distância do início, ainda persistiu no honrado lugar de última.

Portalegre logrou adquirir uma panóplia de infra-estruturas que incentivam à Modernidade longínqua até então e remota desde há muito, mas a inexistente receptividade dos seus congéneres insiste em rejeitá-la peremptoriamente, não dissimulando o repúdio intrínseco a qualquer sintoma de vanguardismo. O desprezo pelas prerrogativas legadas pelo desenvolvimento faz de nós seres anémicos, susceptíveis de um enclausuramento eterno no obsoleto e serôdio. Mais pungente que preterir desfrutar dos indultos diligenciados é não coligirmos as consequências nefastas dessa conduta.

O cinema não está, de forma alguma, confinado ao brilhantismo dos seus protagonistas, à ousadia e audácia de muitos realizadores, às expensas que movem Hollywood e os fans ludibriados pelo mundo frívolo subsequente, a uma noite de Óscares onde os panegíricos inebriam os mentores dos filmes cujo o consenso fez deles inigualáveis. O cinema é a ruptura do conúbio espaço/tempo. É a possibilidade de viajarmos no tempo, de conhecermos lugares, culturas, conjunturas furtivas e omissas sem a presença física ou vivência no tempo respectivo. É a oportunidade de contactarmos com meandros diáfanos e inóspitos que sustentam os alicerces que regem e movem a sociedade e assim cada um de nós, sem para isso precisarmos imiscuirmo-nos empiricamente. É indubitável a dualidade no que concerne ao cinema, ao mesmo tempo que nos dá o Horizonte, permite-nos ver e viver situações sem reclamar a conjectura ou nostalgia recheada de lacunas; impõe-nos a fronteira, porque nos limita concomitantemente quando veladamente conduz o destinatário num sentido. Todavia e não obstante à ambivalência irrefragável, a verdade é que o cinema é a possibilidade de sermos mais conscientes, é a alternativa à cegueira que nos compelem e que nós agradecemos pelo conforto que a condição suscita. Não sendo o ar, o cinema é a botija de oxigénio que nos alivia da asfixia corolária à insipiência, ignorância e desconhecimento que os inexoráveis invólucros políticos e sociais nos imputam.

A liberdade é um apanágio inelutável das sociedades actuais mas a sua dimensão já excede a prescrição e depende fundamentalmente da postura de cada um! A liberdade alimenta-se da curiosidade, informação e inconformismo. Somos mais autónomos e, assim mais livres, quanto mais sages, conscientes e informados. Como podemos pugnar ou mudar sem sequer inteligir que algo está mal e que os instrumentos para que fique melhor não nos transcendem?

O cinema não é indispensável à sobrevivência, mas é indelevelmente uma adjuvante á existência! Mesmo que frequentemente exerça uma influência ignóbil sob o público, conduzindo a uma interpretação unívoca e remetendo-o à passividade da singela recepção, o seu lado benigno não deixa de se sobrepor À sua índole mais deplorável. Faz de realidades distantes epicentros de preocupação, ainda que temporariamente. Exige que a perplexidade não seja efémera porque quando se vê é inaceitável que não se seja contundente. Exorta as mentes displicentes, reitera a responsabilidade individual e conjunta demonstrando que a pusilanimidade e a conspurcação são práticas diárias de dissolutos a quem confiámos as premissas do nosso destino como Mundo. Se antes seria verosímil a letargia do cidadão comum pelos obstáculos em obter a informação e posteriormente agir, agora é de todo infundada por todos os meios facultados por um desenvolvimento inaudito. Estar consciente  e informado é apenas o mínimo que se pode esperar e exigir num Mundo onde é demasiadamente fácil aceder sem se ficar pela superficialidade.

Ignorar o facto de existir uma África com um potencial incomensurável continuamente manipulada e sob a égide dos que a financiam e insistem no peixe em lugar da cana para pescar (”Blood Diamond”); ignorar como uma decisão pode mudar a nossa vida (“Dèja-vu”), não fazer a analogia da história do indígena de “Apocalypto” com cada uma de nós, onde através de uma história dos antípodas obsequiamos a teoria do “bon sauvage” do insigne Rosseau, a sociedade que corrompe o individuo, é simplesmente restringirmos tudo a um pântano de inanidade, em que nos limitamos a fazer o que é inerente ao homem porque nascemos e não porque insistimos em ser!

Assim sendo confesso que Portalegre ou melhor as pessoas de Portalegre não deixam de ser de alguma forma ambíguas. A fleuma dos compatriotas é conclusão peremptória cuja razão só pode ser uma propensão intrínseca para nos confinarmos à redoma da impossibilidade ilusória e desprezo pela velha máxima “o pior cego é aquele que não quer ver”! Ávidos de narcisismo ainda quando o egoísmo é hábito trivial não concebemos sequer a nossa culpa no protelar de muitos contextos. A imagem em conúbio com a palavra é a simbiose perfeita, informa e elucida porque ilustra.

Será que os números sintetizam um povo e uma cidade? Será que nós, os portalegrenses, nos regozijámos com a premissa errónea que cada vida é uma insignificância perante a Humanidade? Espero que este repúdio pelo cinema tenha desculpas que desconheço e que a razão não seja precisarmos de dormir descansadamente e acordar melhor com a nossa consciência, por percebermos que o peso da mesma seria insuportável se conhecêssemos e ostracizássemos.

 

 


publicado por portalegreeomundo às 22:11
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