Desde pequena que desenvolvi um forte repúdio ao Alentejo. Sentimento que se esterilizou este ano. Detestava esta calma, assumida como qualidade; abominava a indolência e ausência de stress; irritava-me a paciência e o tempo, que aqui se nota que existe; Desprezava e até fugia das características do típico alentejano; apesar de ter sido acolhida bem pequenina por este ambiente, fiz tudo para conservar as minhas raízes citadinas… Para mim era um atentado à linguagem as expressões, chavões, certos termos e as alcunhas tão comuns e naturais no centro do país. A pronúncia era motivo de vergonha e qualquer coisa desconcertante, provocava-me uma cólera incómoda, fazia tudo para manter (ou adquirir) o fraseado correcto, o lisboeta. Afinal de contas era de onde vinha e para onde queria ir!
Vivo em Portalegre e este presente ameaçado por um futuro incontornável assusta-me. Portalegre é a cidade, capital de distrito, que melhor reflecte o estereótipo da cidade atormentada por um Alentejo embalsemado no tempo. E acreditem, neste caso não é estigma. As horas de ponta não existem e qualquer movimento invulgar é razão para perplexidade; a cidade rodopia ao sabor dos horários laborais; os meses de Julho e Agosto fazem lembrar o deserto, não só pelas temperaturas insuportáveis, mas também pela desertificação populacional; ainda se vêem os velhotes sentados no Plátano (centro da cidade) admirando o movimento dos carros que contornam a rotunda; as pessoas saem do emprego Às 5:30 e chegam a casa Às 5:40, levantam-se Às 8 para entrar Às 9, e vão almoçar a casa; os pais acompanham os filhos na escola e participam nos seus hobbies; nos arredores e mesmo no centro da cidade as chaves na porta convidam a entrar; E À noite? Ah! É uma alegria, para quem está habituado ao medo dos grandes centros urbanos. Com excepção de um caso ou outro alarmante, anda-se nas ruas e bares pela noite dentro sem qualquer preocupação ou receio; vou ao supermercado e deixo a chave na mota e digo “Olá vizinha!”; Levo o lixo e contemplo a serra verdejante, viva! Em Portalegre anda-se a pé, directa ou indirectamente toda gente se conhece.
Não obstante a todos os defeitos ou qualidades que cada uma destas circunstâncias possam suscitar, a verdade é que já não falo dela com repugnância. Paradoxalmente ao que sempre imaginei, a contagem decrescente para o abandono e início da luta lá fora está a custar, e muito! As lágrimas, os sorrisos, os suspiros são as palavras que descrevem os meus tempos aqui. Portalegre agora é do coração, já não pertence À razão! Qualquer imagem que construa da mesma é feita com calor e parcialidade. Depois de tantos anos de rejeição e defesa do protótipo da rapariga que deseja o stress da grande Lisboa, dou por mim a falar da cidade com ternura. O facto é que já a defendo quando criticam e acho piada quando dizem que tenho pronúncia. Mesmo não a tendo como paradigma, guardo com muito apego tudo o que nela vivi e com ela aprendi. Ainda mais complicado se torna quando sei que não faz parte das minhas aspirações voltar definitivamente. Agora que és a minha cidade vou deixar-te, porque a força dos sonhos supera qualquer persistência de saudosismo ou nostalgia.
Foste responsável por uma infância límpida e pura, distante de todas as preocupações que não devem existir nesta etapa. Deixaste-me brincar na rua, saltar, andar de bicicleta…Sair de casa e correr o campo, apanhar malmequeres e chegar a casa cheia de ervas. Jogar futebol no polivalente e rasgar as meias. Sair Às 10 horas da natação e ter os meus pais À espera. Brincar e voar, sentir que era livre, mesmo não sabendo o que isso queria dizer; Assistis-te a uma adolescência marcada por todas as fases e permitis-te que crescesse naturalmente, nunca me impingiste responsabilidades precoces. Saí À noite a partir dos 14 anos, depois de muitas experiências com os primos mais velhos; vim da escola a pé para ir ter com a mãe ao trabalho, e muitas vezes fiquei no ciclo a conviver e a namorar. Amadureci, mas não foi por tu seres perigosa, foi porque a vida mo impôs. Fui sempre da Natureza, da rua, do exterior porque tu defendes aguerridamente esse teu carácter sereno. Sou ingénua com as pessoas e não tenho noção do perigo porque o hábito me fez assim. Os assaltos, a violência e vícios sociais fizeram parte dum Mundo longínquo de familiares, das notícias ou dos filmes. Nunca soube o que isso era, por experiência própria ou alheia. Conheço a minha família e eles sabem quem sou porque a tua aversão ao trânsito caótico e pugnação a qualquer sintoma de criminalidade me permite ir À tia buscar livros, ou ao tio pedir ovos, ou ainda À outra tia roubar um filme. Quanto À distância de familiares das zonas circundantes, não é nada que não se resolva com 20 ou 30 minutos de carro. Os meus avós não são companhia esporádica, mas hábito de fim-de-semana. Sento-me ao colo do meu avô e desabafo com a minha avó porque a proximidade o proporcionou. Discuto com eles porque são os pais suplentes, e isto porque assistiram e contribuíram para a minha formação e educação. São exemplos não só pelas qualidades, mas porque não são desconhecidos. Agora mais velha, mas ainda adolescente, fazes de mim a vivência das festas das terrinhas com o bailarico a dois e as barraquinhas dos licores. Com os amigos corro tudo e o divertimento é certamente maior do que o proporcionado por um qualquer quadrado iluminado com DJ.
É aquilo que para os outros é frívolo, vácuo, desprezível, relativo ou censurável que faz de ti bela. Igual mas diferente! Não ligues a quem te injuria ou difama, é porque não capta a tua essência. Não abras a caixa de Pandora e não te entregues aos males do Mundo. Não fujas do progresso ou desenvolvimento, mas nunca percas ou esqueças o que te identifica. Não menosprezes os que não te preteriram e mantém o que fez com que fosses escolha. Não subestimes quem te exalta. A tua fuga ao tempo é para muitos a perfeição. Acredita que, se te abandono é porque sou mais uma comum mortal que preza a realização profissional e apogeu da evolução, em detrimento do bem-estar e qualidade de vida. Não penses que ofereces estagnação, transpiras conforto. Todas as minhas relações, a minha personalidade e forma de estar são um resultado, também, da cidade onde vivi e cresci. Não era como sou, se não fosses tu. E queres saber um segredo? Gosto de quem sou! Deste-me a serra quando estava sedenta de reflexão, a floresta quando queria desporto, as piscinas quando não suportava o calor. O teu céu é azul e o verde não é surpresa. Se a transparência é para mim um valor e a proximidade aos sentimentos uma necessidade é porque a tua pequenez fez da convivência com conhecidos e desconhecidos a normalidade.
Nunca vais ser recordação porque quando deixares de ser casulo, passarás a ser refúgio. Sempre que me perder é aqui e contigo que me vou encontrar. A memória não te guarda lugar porque vais continuar a fazer parte de mim e da minha vida. Tens cá quem mais amo. Já agora, depois de tanto teres dado e porque a satisfação não faz parte das minhas qualidades, peço-te: protege a minha mãe e o meu pai, mas sobretudo os meus irmãos, que ainda estão cegos por uma ingenuidade saudável; guarda a serra e aquela vista inigualável para as minhas corridas de fim-de-semana; deixa os teus caminhos para a minha mota me levar aos amigos e tios; e recebe-me como se me visses todos os dias!
Vou levar-te comigo e dar-te a conhecer ao Mundo e À Humanidade, prometo!
Inaceitavelmente, a relação entre o estado e a Igreja é ainda ambígua. Entre o que se consagrou na Constituição de 1976 e o que se pratica efectivamente vai uma grande distância, o que dificulta verdadeiramente a relação entre estes dois pólos de uma Nação (?). O que me choca tremendamente é o facto do problema não ser exclusivamente português e surgir nalguns países com alguma tradição democrática.
A última polémica relativamente ao assunto controverso foi a da presença dos bispos católicos no protocolo oficial do Estado. Situação que só veio acordar o que está adormecido: a ilusão de laicidade. Pois porque esta é apenas uma das materializações do não cumprimento e não respeito pelo principio. Há mais…Primeiramente, a laicidade pressupõe separação da Igreja (seja ela qual for) do Estado (seja ele dirigido por quem for), ou seja, a Igreja não pode imiscuir-se em assuntos políticos, assim como o poder político não deve interferir nos assuntos religiosos e na relação da igreja com os seus crentes, a menos que a situação o exija. O cesaropatismo há muito que se extinguiu com os seus Imperadores, e as Teocracias são, indubitavelmente, um obstáculo, incompatíveis à democracia. Mas como dizia, o posicionamento ou presença de representação religiosa (mais especificamente católica, o que reforça a iniquidade) no protocolo de Estado é apenas uma das inúmeras contradições. Podendo focar outras: a presença de objectos alusivos ao catolicismo em estabelecimentos públicos (escolas, prisões, hospitais, etc.); o ensino de Religião e Moral nas Escolas Básicas, não existindo a possibilidade de outras religiões nas mesmas escolas; a bênção religiosa de obras públicas; a celebração de feriados religiosos… São todos atentados não só à coerência, como, principalmente, à fidelidade democrática. Isto já sem valorizar a inexistência de justiça religiosa, porque caso houvesse mínimo de igualdade teríamos de celebrizar os feriados de outras religiões, disponibilizar o ensino dessas religiões nas escolas, e aí a confusão seria gritante. Por vezes a injustiça revela-se solução (?). Independentemente da facção política e ideologia associada, um Estado tem de ser ímpio porque equâmine deve ser. E para os que alegam ser secundário e irrelevante a discussão sobre tal assunto, atendendo ao estado do país e necessidades prioritárias (como a economia, o desemprego ou saúde) não se iludam. Porque este problema é, sem dúvida, fundamental, o desprezo do mesmo não é mais do que um paliativo á verdade que é a nossa democracia. Os tempos de enaltecimento da religião católica terminaram com o fim do Estado Novo e obscurantismo imanente. É altura de findarmos com tradições obsoletas. É impossível evoluir sem romper com o passado!
Quanto ao que se passa lá fora, o paradoxo irradia-se. A Polónia vive tempos de retrocesso com os irmãos Kacynski. Voltaram à Idade Média, confundindo e compatibilizando o poder temporal com o poder religioso, o que não é certamente um bom pronuncio, atendendo aos antecedentes históricos; A Turquia vê-se confrontada com uma disputa entre a necessidade de futuro e a força do passado. Uma das exigências da U.E para a integração é a efectivação da laicidade, mas o que se constata é um fundamentalismo enraizado que pressiona constantemente a política, visível nos actos terroristas das uniões separatistas.
A igreja aparece no século XXI não como a salvação, mas como o fantasma que insiste aterrorizar os princípios democráticos. Não deixa de ser caricato verificar como esta dificuldade surge, sobretudo, nos países católicos e islâmicos, afastando-se destas controvérsias remotas os países protestantes (Inglaterra ou países Escandinavos, por exemplo). Até na religião exaltam o seu vanguardismo…
Os dias passam e a contagem prossegue. Sinal mais evidente que a guerra continua. A escolha das palavras que definem o ambiente vão sendo cada vez mais graves (querela, conflito, e agora guerra) o que pressupõe o deteriorar da situação. Motivos, razões, desculpas, justificações só completam o poço de inanidade que sustenta esta guerra. Nada disso é relevante, porque numa situação onde o genocídio é plausível para a concretização de objectivos, a razão sucumbe!
Israel é, neste momento, um país ignóbil. Não só por ter sido o principal responsável de agudização das relações que já eram débeis, como ainda pela capacidade de fundamentar os seus ataques. Ambivalente, porque paralelamente à imagem de protector de um Estado e dos que a ele pertencem, ressalta outra em tudo antagónica, o de desvalorizador de vidas. Desmontando o argumento: a História demonstra um Israel preocupado com as vidas dos seus habitantes, foram diversas as vezes quem em prol de uma vida entregou muitos mais prisioneiros palestinianos. Prova de que, e ao contrário do que acontece com muitos outros, uma vida nunca é exígua. Contudo e com esta “Chuva de Verão” contraria todos os bons valores que anteriormente poderiam ser associados. A forma determinada e convicta como ataca o Líbano, desacredita os seus argumentos e a luta que fez de refúgio: a vida do soldado israelita. A capacidade de combater para salvar uma vida, em detrimento de muitas outras, demonstra que o motivo predominante é apenas um paliativo para aquilo que o alimenta: a guerra. A bondade que, de uma forma ingénua, extraímos das cedências precedentes é substituída por uma inexistência de princípios. Israel precisa destes conflitos sucessivos para se afirmar e conquistar o respeito que há tanto tempo procura. A distância que em tempos foi conformada pelo orgulho de dois mentores, Sharon e Arafat, e por isso tida como finita, surge como um legado.
Quanto ao Líbano vive a violência fomentada por uma minoria: o Hzbollah e por um Estado que não recua porque não se compadece da desgraça alheia. Fronteiras ocupadas, cidadãos extraditados, cidades completamente devastadas… e muita poeira, no futuro de um país e na visão de quem o invade. País frágil e em recuperação, é o ringue escolhido para o confronto do terrorismo. Sobreviverá? Não olha o futuro, porque o presente está nas mãos de estranhos.
A acuidade e sageza que, pretensamente, está associada a quem governa são palavras sem conteúdo, neste momento. A incipiência é quem controla um grupo de homens irascíveis que se aproximam do primitivo. Capazes de actos atrozes e abjectos, fazem sentir que a evolução foi exteriorizada na ciência, estando esta confinada a todas as descobertas que devastam a Humanidade. A razão é subsidiária de uma cegueira de poder e intransigência que corroboram com mais um flagelo da Humanidade.
Claro que, e não esquecendo o carácter funesto que a situação já contêm, o problema pode piorar. Depois da guerrilha cingida a países vizinhos, começam a entrar as outras potências. É normal que o mundo ou pelo menos quem o representa não pareça preocupado, esta guerra é mais uma forma de consolidar alianças. A Síria é a encenadora de um teatro em que os actores se destroem, bem escondida soube camuflar a sua culpa; os EUA e o Irão são os rivais que materializam as suas discordâncias e ódio imanente no apoio a países opostos. Restam os milhões que observam, que sofrem, que sentem e nada podem fazer. A ONU está limitada ao papel de influente e solidária. A maior certeza é que amanhã haverão mais mortes!
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