Segunda-feira, 19 de Fevereiro de 2007

Democracia: a ambiguidade da palavra e do regime!

 

A democracia é palavra que consubstancia preceitos que fazem dela o regime político mais adequado. Falo do Estado de Direito que pressupõe laicidade, sufrágio universal, soberania do povo e como tal da maioria, separação de poderes, pluripartidarismo, independência jurídica…enfim um conjunto de características que, senão garantem pelo menos, facilitam a presença da igualdade.

Para  muitos, sobretudo para o Ocidente, onde o mencionado regime é trivial, é a forma política idónea, sendo o arquétipo segundo o qual para estes qualquer país se devia reger. São esta assumpções que fazem do Ocidente pretensamente desenvolvido uma facção subdesenvolvida porque estagnada no obscurantismo dos seus dogmas que julgam  irrefutáveis.

O mundo é a simbiose da multiplicidade, não um conjunto de clones de uma parte que se assume como paradigmática. Muito embora seja ostracizado, multiplicidade implica diferença, de entre outras coisas, de valores, princípios e, consequentemente de regimes políticos e/ou maneiras divergentes de se exercer os mesmos regimes, falo da democracia, claro.

O Ocidente padece nesta contemporaneidade de um narcisismo indescritível que o leva a insurgir-se como pregador inexorável, retornando a um colonialismo obsoleto e deplorável de tempos que envergonham os guias colossais da democracia. O fim não parece ser o que apregoam, mas um unilateralismo, senão em prol de supremacia do seu mentor (EUA), certamente de uma parte do planeta.

Condeno e abomino categoricamente esta óptica que faz da Humanidade a bipolarização perene, que não obstante à troca de alguns dos seus protagonistas não pereceu com a queda de um Muro em 1989 e o findar de uma época ignóbil. Mas a verdade é que muito embora o mundo devesse ser plural sendo uno, é irrefragável o tempo de paroxismo de maniqueísmo.

Proscrevemos frequentemente o facto de sermos humanos e como tal incomensuravelmente parciais e injustos. Às premissas que nos regem e que elegemos como inquestionáveis subjaz a influência de uma cultura. Responsável pela visão endémica mas não unívoca e portanto subjectiva, o que impele à consideração das finalidades que se dizem em favor de terceiros.

Em lugar de impingirmos os nossos modelos ideológico-políticos que denotam  um chauvinismo indómito, porque não contribuímos somente para a criação do contexto propício a que esses países construam autonomamente os seus regimes?

Exortámos a aliança global à democracia não é prescrevermos, ou impor-mos, as nossas infra-estruturas sem a consideração da peculiaridade. Disseminar-mos a liberdade não é, definitivamente, derrubar-mos intrepidamente governos despóticos e tiranos para inculcar-mos um outro profuso, diáfano porque recheado de promiscuidade no que concerne ao poder político: afinal quem dirige são realmente aqueles que foram eleitos pelos seus párias ou os estrangeiros que propiciaram a sua ascensão? E se confirma a primeira hipótese, esses agem independentemente ou corrompidos por uma influência externa constante?

Ressalva para a observação de todo pertinente, como poderão tais países criarem individualmente e isoladamente as respectivas conjuntura políticas se, dado os anos de ditadura a que estiveram sujeitos, revelam uma suprema insipiência no que respeita a exercer o poder isento de autoritarismo. Não têm tradição democrática e se alguma vez a conheceram foi nos primórdios da civilização, não possuem as instituições às quais compete a faculdade de legislar, julgar, presidir…não detêm os órgãos de soberania equâmines, uma imprensa tenaz que cumpra o seu dever de conta-poder… Se sairmos do trono que nos colocámos e que faz de nós senhores do Mundo, sem qualquer escrutínio precedente, talvez possamos considerar a hipótese de muitos dos requisitos que consideramos indissociáveis a uma democracia e outros que considerámos dispensáveis sofram uma mutação assim que a posição for outra porque se exalta outra cultura.

Somos um pântano de contradições abjectas: vociferamos os alicerces democráticos exacerbadamente mas depois somos os autocratas da verdade sem unanimidade. Que legitimidade temos para nos considerarmos profetas da justiça, incólumes e inócuos, porque providos de veleidades altruístas? A abnegação é superficial porque se resume ao esforço dissimulado e refundido em propósitos filantropos  cuja finalidade é a globalização sem identidades.

As vertentes filosóficas que deixaram este legado ideal e precursores que assumimos não são perenes. O tempo é galopante e eternamente mutante o que faz das respectivas correntes sucessivamente ultrapassadas, mesmo que insignes. Os países que emergem como os representes do Ocidente, revelam uma mentalidade abstrusa porque enclausurados nos cepticismos do passado. Muitas vezes o que foi sempre bom, mesmo não passando a mau, pode passar a ser desadequado.

Assistimos à emancipação de um Mundo com novas formas, mais sinuoso do que a clivagem Ocidente/Oriente transparece, se protelarmos os mesmos alicerces ignorando a individualidade depressa a política se torna mais inepta porque incapaz de se ajustar às particularidades da actualidade.

Há-que abdicar voluntariamente de certos tabus que só agudizam crispações locais que culminam , demasiadas vezes, em flagelos humanitários e abraçar novas propostas que de adaptem à contingências do presente, sem abdicar do epicentro da democracia.

É preponderante recordar que muitos ainda sonham com o que nós ignoramos diariamente, por ser uma certeza!


publicado por portalegreeomundo às 10:18
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O dia depois do ontem!

 

Hoje é o dia depois do ontem  e depois de consumado o passo indicativo de um profundo crescimento é altura de cogitações reflexivas. Subscrevendo Vital Moreira, o referendo sobre o aborto tratava-se também de um teste civilizacional. O ontem representava o Portugal ultrapassado, conservador e retrógrado. O depois do ontem, ou seja o hoje e adiante, é o Portugal moderno porque laico, liberal mas sobretudo consciente. Claro que não é o beneplácito popular para a descriminalização do aborto o suficiente para passarmos de um povo dogmático e renitente ao progresso para um país vanguardista e apologista da evolução infindável, contudo este é deveras um prenúncio considerável. Não nos podemos confinar aos resultados quantitativos do escrutínio, sendo como tal imperório extirpar todas as inerências qualitativas que este sufrágio transporta.

Se nos lamuriámos da estagnação pária e da prorrogação dos seus defeitos políticos e sociais desde os antípodas, este resultado comprovou como uma década pode ser frutífera em mudanças. O “sim” à descriminalização do aborto não foi apenas uma decisão trivial e a resposta à solicitação política, mas é sintomático de uma profunda alteração nas mentalidades, comportamento e perspectivas dos portugueses.

Se, porventura, os votos não foram o resultado de uma persuasão praticamente inelutável levada a cabo pelos movimentos, mas sim um resultado da aspiração de incrementarmos, então estamos substancialmente diferentes porque melhores.

O facto de outorgámos o direito para a lei ser agora votada na especialidade na Assembleia da República significa que preterimos de todos os cepticismos que nos relegavam à regressão. Para mim o aval à descriminalização do aborto não é sinónimo de evolução porque nos aproxima de países congéneres considerados paradigmas do progresso, é indício de melhoramento porque representativo de uma clarividência tangível e evidente noção dos corolários da democracia por parte dos compatriotas.

A respectiva decisão insurge-se contra a tendência para a “Estadocracia” que impera e se agudiza em Portugal e países contíguos. Temos sido vítimas do paroxismo da tirania de leis inadvertidamente promulgadas com finalidades benignas sem nos apercebermos como isso compromete a nossa liberdade individual. Leis que olvidam a sua finalidade primordial fundamentando esse ostracismo na emergência de uma sociedade ideal. A leis devem assegurar a presença dos alicerces fundamentais de uma sociedade e país, não devem ser prescrições de qualquer comportamento civil só porque o último é pernicioso a terceiros. Uma sociedade é verdadeiramente a concretização do arquétipo quando os seus cidadãos fazem da probidade acto individual naturalmente e não quando essa integridade é aparente porque coagida. O individuo não deve fumar em espaços públicos se outros estiverem presentes por saber individualmente que prejudica a saúde alheia e não porque teme a aplicação de uma sanção, a criança deve optar pela comida saudável em detrimento da comida funesta porque traz de casa bons hábitos alimentares que a fazem espontaneamente optar pelo salutar em lugar do prejudicial e não porque na escola são proibidas comidas gordurosas…Estamos mais próximos do exemplar como comunidade porque sucumbimos a um despotismo legal e não porque individualmente optámos pelos valores e princípios. Todas essas normas profusas são dificilmente contestáveis porque dicotómicas. Ao mesmo tempo que são positivas porque em função do bem-estar social e em benefício da população,  são lancinantemente prejudiciais porque nos limitam e fazem de nós uma cópia de uma protótipo criado.

Assim sendo estou duplamente contente com esta vitória. Primeiramente porque o acto revelou consciência do que implica uma democracia: escolhemos um caminho porque o consideramos o mais correcto e não porque somos compelidos a agir dessa forma temendo as represálias. Depois porque consequência da efectivação do direito de escolha neste assunto é a contundência e aversão a esta corrente de automatismo e estandardização social, onde a anomia é hegemónica e a autonomia moral inexistente.

Apesar de tudo, é preponderante ressalvar que tal decisão não é o prelúdio de uma apologia à realização do aborto indiscriminadamente. Deste modo, é deveras pertinente relembrar a clivagem entre liberalização e descriminalização. O “sim” foi à descriminalização, e como tal, à proibição que a mulher fosse julgada e condenada por uma decisão pungente, e não à liberalização e consequentemente a autorização para os abortos serem realizados impensadamente. Não pretendemos protelar os actos incautos e por isso é que a lei visa assegurar a presença de um processo precedente ao acto (tempo de reflexão, aconselhamento psicológico e social, planeamento familiar, etc).

Não obstante à panóplia de imanências valorizáveis que se podem depreender do desfecho deste referendo, ressaltam igualmente as mais nefastas. É indescritível como o maniqueísmo está sempre presente e a dualidade bom/mau finda sempre numa simbiose. Paralelamente à evolução que a decisão acarreta subsiste o subdesenvolvimento. Continuo sem entender como em pleno século XXI continuamos a exacerbar os deveres femininos e concomitantemente a isenção destes no que respeita à parte masculina. O corpo é invariavelmente da mulher e como tal é sobre esta que tem que recair a supremacia da decisão, mas o processo foi qualquer coisa começada por ambos. Antes circunscrevia-se a condenação à mulher e agora limita-se a decisão a esta, como se o homem fosse alguém omnipresente e incólume. E o pai?

Aspiramos prosseguir mas não podemos abster-nos de resolver a situação na sua totalidade dedicando-nos exclusivamente aos seus parâmetros mais preocupantes.  

 


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Sexta-feira, 9 de Fevereiro de 2007

O aborto: uma questão de vida!

O referendo alusivo à liberalização do aborto é já no dia 11 de Fevereiro e a aproximação da data faz do assunto corrente merecedor da devida atenção.

É premente desde logo e antes de qualquer posicionamento esclarecer uma série de premissas. O que se pretende com o respectivo referendo é descriminalizar o acto, permitir que seja realizado em clínicas párias e com os devidos apoios logísticos, sociais, psicológicos e médicos. Quanto à restante parte o que se exige com o referendo é que os portugueses se pronunciem. Não se abstenham de consignar o que entendem ser correcto mesmo que a sua posição passe pela neutralidade. Quem permanece no silêncio nestas situações tão controversas como preponderantes para a construção da sociedade, coibindo-se das suas funções cívicas, perde toda e qualquer legitimidade para futuramente pugnar ou reclamar. É importante recordar, pois parece-me que é frequentemente ostracizado, que o poder é faculdade do povo. Os órgãos de soberania têm a autoridade, mas quem a delega anteriormente somos nós. Como podemos refilar dos intermediários das nossas diligências se confinamos a nossa hegemonia à omissão?

Retornando ao cerne da questão - o aborto - constato que as facções beligerantes – movimento do “sim” e do “não” -  insistem na clivagem entre ambas mas tendem para uma similitude no que concerne aos argumentos. Revestem-se de sofismas bem engendrados proscrevendo o essencial. Mais uma vez a prioridade é vangloriarmo-nos com a vitória ou padecermos com a derrota e não preocuparmo-nos verdadeiramente com a panóplia de consequências que irão decorrer após o dia 11 de Fevereiro.

É um opróbrio ao valor que tanto ostentam, a vida, todas as armas de persuasão que procuram: campanhas sensacionalistas, filmes polémicos, canções dramáticas, imagens infames e enganosas…A retórica e dialéctica são inanidade quando isentas de conteúdo e meio para incrementar o ego dos oradores.

No que diz respeito às campanhas, não obstante aos inúmeros defeitos indissociáveis de ambas, julgo o movimento a favor do “não” destacar-se no âmbito do frívolo. Assumo desde já a minha posição a favor da liberalização, confessando que se existe influência, esta é directa e não dissimulada.

Tentando ser maximamente equânime, considero que a campanha do “não” excede os limites do aceitável, limiando o ominoso. Qualquer debate para ser profícuo e interessante tem de deter argumentos críveis, mas sobretudo aceitáveis. O movimento do “não” não prima realmente por esta qualidade. Paralelamente à contradição flagrante, é nítida a ausência de base de sustentação em muitas das suas assumpções.

Primeiramente é nefasto verificar como se apropriam e vociferam estatísticas e dados erróneos respeitantes aos sucedidos em países contíguos aquando da liberalização nestes. A probidade exige a qualquer um que aspire ser convincente a veracidade, coisa que o respectivo movimento ignora a todo o momento. A incongruência entre os factos enunciados por fontes oficiais e resultados apontados pelos mentores da “não liberalização” só dificulta a formação de uma opinião e demove quem se interessa e procura saber antes de decidir!

Indago, como é conciliável o enaltecimento da vida quando uma das primordiais razões que se aponta para que esta não seja desprezada é o dinheiro dos impostos? A prudência, segundo o que subentendo, é reclamada aos portugueses não em prol das represálias subsequentes à decisão mas atendendo ao volume das suas carteiras. Será um fardo para o Estado, já de tanga e tão anémico, as mulheres que procuram abortar. É deveras pernicioso verificar como vale tudo, inclusive exortar ao egocentrismo, mesmo isso implicando o sofrimento alheio, que abarca todas as mulheres que recorrem a meios perigosos assim como todas as crianças negligenciadas, abandonadas e sós pelo abandono da família.

É igualmente curioso verificar como a publicitação à “vida” implica o esquecimento de outra vida! Segundo a minha insipiência não existe prioridade entre duas vidas independentemente das idades, estados ou estatutos. Ora sendo assim porque se confere protagonismo ao feto em detrimento da mãe, sendo que neste caso a rivalidade não é sequer igualitária?

E aqui torna-se oportuno assim como imperório recorrer a Fernando Pessoa. Existe uma diferença substancial entre a potência e o ser. A primeira é a possibilidade, a segunda é a concretização. O feto, principalmente até às 10 semanas, é certamente a potência, a mãe é já um ser. Votar “não”, desenganem-se os iludidos, não é impedir que se aniquilem os fetos indesejados mas pôr em perigo as vidas de muitas mães, que não se evitam de cometer o acto por este ser condenado pela sociedade.

Atenuar a tendência para o aumento do número de abortos não é condená-lo, relegando quem o realiza às grades, mas sim proporcionar os meios necessários para que antes do acto exista um processo. “Sim” não significa apenas a liberalização, e permissão para o fazer dentro de fronteiras com consentimento estatal, mas é sinónimo da agudização do planeamento familiar, apoio psicológico tentando dissuadir a mulher.

O problema crucial parece residir no factor vida. Segundo médicos conceituados e desprovidos das asseverações de senso-comum, a vida começa com a memória, a reminiscência é inexistente até às 10 semanas, não se vai, desta forma, findar uma vida mas culminar um processo.

O movimento do não aproxima-se da insensibilidade, excedendo as expectativas do nefasto, quando salienta as instituições de apoio a crianças como a alternativa idónea às mães que não desejem os seus filhos. Afinal de contas a única inquietação é a vida, não a qualidade de vida. Não obstante a todo o esforço e conforto que estas instituições proporcionem, nada é comparável á existência de uma família. Numa instituição coexistem inúmeras crianças. Para se conseguir responder às necessidades básicas terá de se prescindir de outras como a intimidade, a atenção e proximidade. O movimento foca o sentimentalismo e salienta o arrependimento das mães que fizeram abortos, tentando demonstrar que a decisão é fruto de um impulso e acaba por resultar num sofrimento perene. Como pode então o mesmo movimento delinear como opção instituições de caridade? Primeiro qual é a mãe que vive sabendo que o seu filho deixou de o ser para si mas continua a existir? Segundo, sendo um corolário o sofrimento qual é mãe que resiste a ir visitá-lo ou procurá-lo posteriormente quando se aperceber do erro? Resultado: um imbróglio, se ele já estiver integrado e junto de alguém que tenha aprendido a amá-lo, assim como se ainda residir na instituição de acolhimento pela amálgama de sentimentos que tal imputa à criança.

Partilho do receio que a liberalização do aborto resulte na leviandade e relatividade do acto. Mas padeço, ainda assim, da consciência da hipocrisia que é acreditar que a condenação é de alguma forma uma adversidade ou impedimento ao mesmo acto. O facto de ser crime é apenas um paliativo. Ser crime apenas prorroga o cinismo inerente a esta causa. Sabemos que os que gozam de alguma liberdade económica procurarão países liberais e as restantes não deixarão de o fazer mesmo correndo riscos de perecer.

Corroboro da ideia de que uma norma não pode nunca ser alterada porque o que combate transcende o poder das suas prescrições. Não é por ser um acto cometido em números consideráveis que a sociedade deve abdicar de condenar. Contudo também reconheço que é a promulgação da lei que vise a liberalização que assegura, não que se erradique esta prática, mas que se diminua drasticamente. Se antes poderia ser um impulso, agora existem etapas que impedem que a mulher o faça inadvertidamente.

Não sou a favor do aborto, sou a favor à liberalização do aborto, situações em tudo díspares.

A vida não se circunscreve à possibilidade de respirar. Viver é além disso participar e ter o direito de escolha. A lei que existe faz da mulher um autómato e outorga-nos a fatuidade de sabermos o que é melhor em situações tão peculiares.

 

 

 


publicado por portalegreeomundo às 22:38
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Sexta-feira, 2 de Fevereiro de 2007

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A esperança que Portalegre não abdique de silenciar os contundentes!

 

A valorização fundamentada é tão pertinente e produtiva quanto a crítica construtiva. Muito embora o hábito tende a ser a reprovação, a verdade é que quando a crítica é fluida e o elogio inusitado, a condenação facilidade e o enaltecimento dificuldade é sinal que a incongruência impera. O reconhecimento é imperioso quando oportuno e tangível, assim como a censura quando visível! Julgarmos que só a repreensão é adjuvante à evolução é partirmos de uma premissa de todo errónea: que só aspiramos a mudança e subsequente incremento quando confrontados com o desagrado alheio. É por esta razão que não me canso de evidenciar os aspectos mais frívolos da minha cidade, mas não ostracizo todos os antagónicos e portanto valorizáveis.

A crítica é um traço imputável  às minhas dissertações, consinto. Todavia não é de forma alguma sinal que proscreva ou ignore tudo o que se insurge como positivo. Não obstante à multiplicidade de lacunas por colmatar, é uma realidade indubitável que Portalegre não pertence mais ao pântano dos defeitos infindáveis.

Não é difícil encontrar situações onde o que assevero seja constatável, se em lugar de olharmos passarmos a reparar. A fronteira que se levanta entre nós e o que nos rodeia torna-se inexpugnável quando assumimos uma posição passiva com o que muda e prescindiu da estagnação. É premente atingir as consequências benignas e perniciosas de todas as alterações que a cidade tem padecido. Este comportamento devia ser, hábito, sobretudo dos Portalegrenses, que desde que ouço verifico, preferem o comodismo da condenação ao incómodo da critica complementada com a sugestão.

Portalegre cresce e ousa alargar as suas fronteiras  territoriais, sociais e culturais.

A expansão urbanística é um corolário dessa audácia de ser maior. Reformam-se antigos bairros degradados e inóspitos. Constroem-se novos prédios e moradias. Recuperam-se lugarejos abandonados e subestimados porque decadentes. É como se a cidade espelha-se a condição humana, obedecendo às fases que marcam qualquer vida. Parece estar num daqueles períodos cruciais da Existência, em que a mudança física é sintomática de uma fulcral mudança interior. Depois da fase imberbe está a entrar na maturidade, que devia ser, corolário da idade adulta. Deixou de estar presa às certezas, tão inseguras como inimigas, da adolescência e percebeu que sem  uma mudança drástica e significativa seria no futuro o antro do isolamento. 

O crescimento urbanístico não se circunscreve à melhoria das infra-estruturas orgânicas e residenciais como ainda pressupõe alterações nas conjunturas populacionais. Se proliferam os espaços habitacionais  é certamente porque existe ou existirá quem os ocupe. Se mais gente aspira fixar-se e construir a sua vida em Portalegre é indício que a cidade não é mais a preterida. O s portalegrenses de espécie em extinção, porque começavam a ser vítimas de um envelhecimento precoce e ameaçador, são agora os alvos de um rejuvenescimento causado pelo retorno, vinda ou fixação do “sangue-novo”. Os que já foram voltam os que nunca foram ficam, e os que jamais foram passam a ser de Portalegre.

No aspecto social, entre uma panóplia diversificada, não posso deixar de conferir protagonismo ao facto da cidade procurar integrar quem muitas vezes é vítima de uma exclusão ominosa. Sinto-me verdadeiramente orgulhoso quando constato que existem estabelecimentos em Portalegre cujos funcionários têm alguma deficiência física ou mental. é bom verificar que a limitação, seja ela de que índole for, não significa inépcia. A competência mais do que uma  consequência da sageza, é o resultado da vontade e dedicação ilimitada. A cidade ascende ao patamar de arquétipo, quando expurga todos os dogmas associados à capacidade de cada um. Todos têm algum papel na sociedade, independentemente das adversidades. Quando isso não acontece é sinal que a comunidade em questão se abstém de aproveitar todos os recursos ou o próprio se coíbe de contribuir. Portalegre, mesmo falhando em muitas frentes, erradica qualquer desilusão porque em aspectos basilares e reveladores de humanismo procura ser correcta.

A cultura é outro indicativo de um desejo de não ficar imune ao vanguardismo das Artes. O Festival de Jazz foi o profeta da apologia à sapiência, daí em diante a raridade é o dia sem promoção a um bom espectáculo. Portalegre com  o Centro de Artes e Espectáculos exortou ao vício de procurar a plenitude que a Arte proporciona. A diversidade do género de eventos assim como a multiplicidade de temas e tipos são aspectos que só agudizam esta melhoria indelével. Revela a preocupação em erradicar o elitismo e oferecer oportunidade à maioria atendendo às minorias de que está recheada.

O elogio não pode, contudo, cair na demagogia vácua, porque, como a critica incessante, é obstáculo ao desenvolvimento.

Não basta construir e propiciar as condições físicas para albergarmos mais alguém quando não consideramos, por exemplo, nível económico da população e concludentemente se podem ou não ocupar os respectivos espaços.

Não é suficiente promover a cultura quando sustentada no protagonismo de uma Arte – a música – em detrimento de outras igualmente fantásticas e magnificentes – como o teatro ou o cinema. Mencionando um dos defeitos imputável aos responsáveis pela organização cultural é, por exemplo, as sessões de cinema deveras exíguas.

A cidade hoje não é mais a de outrora, mas a de agora não pode ambicionar ser a de amanhã! É primordial não abdicar de aspirar ser sempre melhor!


publicado por portalegreeomundo às 19:51
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